Um peruano (ou ao menos parecia peruano) dedilhava um violão. Algumas crianças estrangeiras, loiras e branquinhas, brincavam de subir nas cadeiras e pular, gritando em inglês. Um casal alemão, com mochilas enormes, junto a um crescente número de pessoas, também aguardavam o chamado para o embarque. Ele veio por volta das 7:30 da manhã. Respirei fundo, dei adeus ao Brasil e embarquei na poltrona 18F do Airbus A320, para minha viagem São Paulo-Lima, sem escalas.
Meu nervosismo era infundado. Sim, é meio assustador quando a aeronave pára no início da pista e parte, como um carro de "dragster", a trezentos quilômetros por hora. Você fica olhando pela janelinha a pista passar, passar, passar....e nada do avião subir, aparentemente até o último metro possível, quando as 160 mil toneladas do A320 finalmente se levantam do solo e começam sua jornada pela atmosfera. E então é aquele curioso espetáculo de cruzar as nuvens e ver o mundo lá de cima. Nessa era de Google Maps e Google Earth, não deixa de ser engraçado perceber que nossa percebção de mundo mudou; já não é mais assim tão estranho ver o mundo lá embaixo. De qualquer forma, o tamanho descomunal da cidade de São Paulo impressiona, não importa a altitude em que se esteja. O voo partiu por volta das 8:30 da manhã de Cumbica e estava programado para chegar às 10:30 da manhã, horário local, no Perú. Só que há três horas de diferença (para menos) entre o horário de Lima e o de Brasília, de modo que a viagem, na verdade, teria duração de aproximadamente cinco horas.
Grande parte deste tempo eu passei, qual criança, de olho na paisagem lá fora. É verdade que chega uma hora que a sucessão de campos verdes, entrecortados por estradas ou rios fica cansativa. O caso é que, após acordar de uma cochilada rápida, tudo havia mudado lá fora. A paisagem verde foi substituída por tons de cobre, marrom e areia. Claramente já não voava sobre o Brasil. A bem da verdade, parecia mais que estava sobre o planeta Marte! Era mais provável que sobrevoasse a parte oeste da Bolívia ou mesmo o Perú. Por todo o avião ouvia rumores e comentários entusiasmados dos outros passageiros. Até que o avião chegou ao Pacífico, virou à direita e começou a subir a costa, em direção de Lima. Assim, do meu lado do avião podia ver a paisagem "marciana", enquanto do lado esquerdo os passageiros viam o azul do mar. Este contraste entre água e terra seca eu veria novamente alguns dias mais tarde, quando parti de Lima.
Falando em Lima, finalmente lá estava ela. Cidade grande, com 11 milhões de habitantes, Lima é a capital do Perú, antiga capital do Vice Reino, durante o período da Colonização Espanhola. Sua posição geográfica, a oeste dos Andes, e algumas condições atmosféricas especiais produzem um fato interessante: não chove na cidade há anos. Do alto, Lima me parecia alguma cidade do deserto africano. Tudo muito seco, milhares de casas, ruas e estradas aparentemente cobertas por uma poeira avermelhada. O sinal de apertar o cintos do avião se acendeu e o piloto, em espanhol (e em algo que ele achava que era inglês) avisou a tripulação para se preparar para a aterrisagem e, novamente, comecei a imaginar se não teria sido melhor vir de ônibus, trem, cavalo... qualquer coisa menos naquela máquina que virava de um lado para outro, por sobre o Pacífico, se preparando para pousar. O avião circulou por uma grande baía e vi vários tipos de barcos lá embaixo. Finalmente, começou a descer de verdade até tocar, com muito mais leveza do que estava esperando, o solo peruano.
Havia chegado a Lima.