sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

cap 7: Parque da Muralha - Catacumbas São Francisco - Lima

Há algo de estranho em se viajar de avião. Lá estava eu, andando pelas ruas do Centro Histórico de Lima, no Perú, e naquela mesma manhã havia acordado em Vinhedo, Estado de São Paulo, Brasil. É muito rápido e o corpo e a mente tentam compensar de alguma maneira. Para mim, o Brasil era "ontem". Fazia poucas horas que estava viajando de verdade mas já parecia que havia partido há muito tempo. O centro de Lima, com seus prédios baixos, estilo colonial, lembram muito algumas cidades históricas brasileiras. Não chega a parecer antigo como Paraty, por exemplo, mas as ruas me fizeram lembrar um pouco, talvez, Embu das Artes. Fui andando na direção geral daquele monte que havia visto da praça, alto, com uma cruz no topo e aquela bandeira pintada na lateral. Estaria longe? Será que dava pra subir?

Entrei pela rua lateral do Palácio do Governo e fui até o final, onde havia uma antiga estação de trem em reformas. Virando à direita, outra rua estreita, com prédios coloridos e sacadas. Ao fundo, as torres de uma outra igreja, de cor amarela. Fui chegando perto dela. Ela era cercada por um muro baixo, com grades, e havia um páteo e um prédio lateral em que estava escrito "Santuário Nossa Senhora de la Soledad". Um homem com uma filmadora me chamou a atenção. Ele estava gravando um grupo de estudantes, todas garotas, que faziam pose e sorriam para a câmera. Me lembrei dos meus tempos de câmera de casamentos e festas. Fiquei tentado a conhecer a igreja, mas, à esquerda, lá longe, a montanha me chamava, e fui em sua direção. Fui seguindo até o final da rua e havia um muro de pedra com os dizeres "Parque de La Muralha".

Era um jardim, na verdade, e havia alguns casais namorando e estudantes passeando. Ao longe, o tal monte se revelou finalmente. Havia centenas de casas coloridas em sua lateral, subindo quase até a metade de sua altura. Era uma vista bastante bonita. Perguntei a um guarda que montanha era aquela e ele, de modo um pouco grosseiro, me disse que não sabia. Dia seguinte eu descobriria se tratar do "Cerro San Cristóbal" mas, por enquanto, ainda era um enigma no horizonte. O calor em Lima era quase insuportável, e confesso que não estava esperando por isso. Comprei uma garrafa de água em um pequeno restaurante que havia no parque e fui ver o resto do lugar. A tal "muralha" do nome do parque tinha a ver com umas escavações arqueológicas que havia no local. O parque era uma curiosa mistura entre local de diversão para crianças (havia alguns brinquedos infláveis montados, como pula-pula e cama elástica, além de um "trenzinho" que levava crianças para uma volta) e sítio arqueológico. Havia restos de casas do século XVII e trechos de uma antiga muralha. Parque de La MuralhaEra um lugar interessante, mas nada de muito excepcional. Tirei várias fotografias do Cerro San Cristóbal, ainda tentando imaginar um meio de subir até o topo, mas não encontrei nada por ali. Resolvi então voltar por onde vim e visitar a tal igreja amarela. Chegando lá descobri se tratar da Igreja e Convento São Francisco. Me lembrei do trajeto do ônibus turístico que havia visto lá em Miraflores, que falava sobre umas "catacumbas de São Francisco", seria aqui? Passei pelo páteo que estava coberto por centenas de pombas. Já havia visto muitas pombas na Plaza de Armas, mas aqui havia realmente centenas delas. Por que tantas?


À esquerda da igreja estava o Convento São Francisco, e era possível visitar o local (pagando uma taxa de cinco sóles). Recomendo muito a visita. Infelizmente, era proibido tirar fotos do interior do convento e das catacumbas. Entrei e havia algumas pessoas esperando, mas uma mulher me perguntou se eu entendia inglês e, como disse que sim, ela me encaminhou para um grupo de turistas que havia acabado de sair com um guia. Inglês eu falo, mas confesso que o inglês do guia tinha um sotaque tão carregado que era complicado entender o que ele dizia. O grupo de turistas era formado pelos primeiros ingleses que eu via na viagem (e veria vários depois). O convento era muito bonito, com aquele tradicional páteo interno cercado pelo prédio de dois andares. Visitamos uma sala que continha vários quadros à óleo com motivos religiosos, inclusive um quadro da Santa Ceia que mostrava uma mesa circular, ao contrário do famoso quadro de Leonardo DaVinci. O convento foi construído no século XVII e, segundo o guia, era maior do que o prédio atual. Por todos os lados se viam marcas do barroco e da influência árabe, principalmente nos tetos ricamente decorados. Visitamos também a biblioteca, que continha alguns livros enormes, que foram restaurados e estavam em exposição. A luz natural iluminava o local através de janelas no teto. No grupo havia uma senhora inglesa que, bravamente, ia acompanhando o grupo e, no início, o guia até a esperava, mas aos poucos ele começou a ir mais rápido e a coitada da senhora foi ficando para trás, acompanhada da filha. E então chegou a hora das catacumbas. Me lembrei na hora da minha mãe, claustrofóbica convicta, que chegou a ir a Roma mas não desceu nas catacumbas de lá. Também tenho meu lado claustrofóbico, mas meu outro lado, o de Indiana Jones, falou mais forte e fui descendo com todos pelas tais catacumbas. O guia explicou que elas foram abertas e limpas em 1947. Era uma série de corredores e galerias por debaixo de todo o complexo do convento, e havia esqueletos em vários lugares. O guia disse para prestarmos atenção ao fato de que havia muito mais crânios e ossos grandes, como o fêmur, para serem vistos. Isso se deve ao fato de que os corpos eram depositados ali e cobertos com cal, que dissolvia o corpo e os ossos mais fracos. As catacumbas eram um cemitério, na verdade, e serviram para este fim até o século XIX, quando cemitérios foram inaugurados na cidade. Em alguns corredores se podia ver, através de aberturas no teto, a igreja lá em cima. Eu não tive problemas com as dezenas de crânios que havia por lá. O guia explicou que a disposição dos ossos foi deixada assim pelos arqueólogos e, de fato, havia uma certa "arte" no modo como os ossos foram empilhados; os crânios em um fosso, por exemplo, estavam todos organizados em forma circular.

Saí das catacumbas e do museu às 16:30 da tarde. Gostei muito do passeio e, lá fora, estava uma tarde muito bonita. Descobri então a razão das centenas de pombas na praça: havia umas senhoras vendendo milho em saquinhos para as crianças (e alguns adultos), que se divertiam alimentando os pássaros. O que por aqui geralmente é tratado como um problema de saúde pública, lá é incentivado. Sem dúvida os pombos são portadores de piolhos e algumas doenças, fora a sujeita que causam. Mas, sentado nos degraus em frente à Igreja São Francisco, olhando as crianças correr atrás dos pombos, achei tudo muito bonito. De vez em quando, como que atendendo um sinal coletivo, todas as pombas alçavam voo e comecavam um movimento circular pelo páteo do convento, em rasantes cada vez mais próximas.

Dentro da igreja havia um magnífico altar a São Judas Tadeu, todo de prata. Havia também uma placa comemorativa dizendo que o Papa João XXIII, em 1963, havia elevado a igreja à categoria de Basílica Menor de Lima. Sem dúvida, havia valido o dia.

ps: sim, oficialmente é proibido fotografar as catacumbas, mas no Google você pode ver várias fotos do local.












São Judas Tadeu


7 comentários:

Menina de lah disse...

Vi uma foto desses tais ossos formando círculos.
Sabia que era proibido fotografar não. Acho que o amigo que tirou a foto, burlou as regras.

bju.

João Solimeo disse...

Pois é, vi até uns videos no Youtube gravados no convento e nas catacumbas. Como estava no começo da viagem, ainda prestava atenção a esses avisos de proibido fotografar. Mais pra frente, confesso, eu "roubei" algumas fotos em locais proibidos.

Coloquei um link para várias fotos no Google do lugar, veja que é interessante. Obrigado pela visita, vá lendo... hehe.

bjo

Maluco disse...

As pequenas histórias que constroem essa tua grande história estão simplesmente fascinantes!
Parabéns!

João Solimeo disse...

Opa, muito obrigado. Decidi partir par um lado mais "literário" mesmo neste blog. Achei que afugentaria as pessoas, mas o retorno tem sido bom.

Valeu pela visita, abraço.

Anônimo disse...

Cadê? A viagem não acabou aí...

João Solimeo disse...

Opa, não acabou não! É que o "mundo real" se meteu no meio, sabe como é, toda criatividade será castigada, e estou meio sem tempo de continuar o "livro". Mas aguardem que tem muuuuito mais.

Abraços

jair gomes disse...

irei fazer a viagem sáo paulo a lima no dia 11 de dezembro de 2010, neste mesmo voo da tam , o jj 8066, náo ficarei em lima, ficarei no aeroporto apenas por 5 hrs, depois prossigo minha viagem num voo para a cidade de arequipa, onde ficarei, irei também para Machu-pichu e Maratani no litoral, de qualquer forma, fiquei feliz com o voo que vc fez para lima.